segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Por que eu sai do Brasil em 1992?

No meu primeiro post aqui no Tangram das Ideias, eu contei um pouco sobre o "Anjinho," sobre a minha decisão de sair do Brasil e ir para a Inglaterra via Espanha, meus primeiros dias em Madrid e as emoções vividas ao estar "literalmente só" pela primeira vez na minha vida. Nestes próximos posts, vou começar a responder a pergunta que ficou no ar no segundo post: Porque sair do Brasil, um pais maravilhoso, abençoado por Deus, de clima tropical, de povo caloroso, onde tudo que se planta cresce?


Para responder esta pergunta, é preciso entender o contexto do Brasil e o contexto da minha vida em 1992:  


O contexto do Brasil em 1992.
Nosso país vivia uma outra realidade. A economia brasileira era uma bagunça. Em poucos anos o Brasil assistiu à desvalorização do Cruzeiro, sua substituição pelo Cruzeiro Novo, Cruzado e Cruzado Novo. Pessoalmente eu não via nenhuma perspectiva de mudanças, especialmente depois que Fernando Collor ganhou as eleições para presidente do Brasil (eu votei no Lula para presidente). 

Aos 20 anos de idade, eu não era uma pessoa muito paciente e não estava disposto a esperar para ver se as coisas mudariam. Então e minha única opção era encontrar atalhos para crescer como pessoa e profissionalmente. Eu sonhava em estudar na Europa... queria mudar de ramo - talvez influenciado por um grande amigo, Marcello Ayello, eu quis entrar na área de Marketing... a profissão da moda no final dos anos 80 e início dos anos 90.

O contexto da minha vida em 1992. 
A Ford, onde eu já trabalhava há 4 anos, passava por mudanças e eu já não tinha mais "saco" para continuar lá, apesar do excelente salário que eu recebia desde os 15 anos quando comecei no SENAI.

Minha vida era completamente desregrada, com noitadas de quinta a domingo e sem nenhuma estabilidade na vida emocional... Ok, eu só tinha 20 anos, mas já precisava dar um descanso ao meu coração!  

Aos 14 anos de idade (1985) eu comecei a namorar aquela que tinha sido a menina dos meus sonhos, Janaina. Uma menina linda, com uma personalidade madura e com um carácter anos além da sua idade (e da minha também).  Estivemos juntos 2 anos e meio e o termino do nosso namoro criou dentro de mim um vazio emocional do qual eu não consegui me recuperar por muitos anos, até que sai do Brasil. 

Alguém namora sério aos 14 anos de idade? Ela sim. Eu tentei. Mas aproximadamente um ano e meio depois, o prazer pelas aventuras ofuscou minha integridade e comecei a agir com desonestidade até a "menina dos meus sonhos" já não podia mais suportar tanta mentira. Ela rompeu nosso namoro. Os anos se passaram e eu não conseguia esquecê-la. Eu a queria de volta. 

Poucas pessoas souberam o quanto eu sofri nos 7 anos seguintes por não conseguir perdoar a mim mesmo por tê-la perdido. Tratei de curar aquela ferida de duas formas: no consultório de psicólogos, ou nos motéis do Vale do Paraíba... Ambas sem resultado. 

Em 1990, em meio a um novo relacionamento super intenso. Parecia que finalmente o vazio deixado pela Janaina finalmente desapareceu. Curiosamente, na noite em que conheci a Luciana, eu e a Janaina conversamos pela primeira vez em anos e eu havia dito a ela que queria um recomeço. Mas não foi desta vez. 

Entrei na Phaeton um pouco mais cedo naquela noite, eu e o Chimenez. Sentados no bar, vi a Luciana com outras meninas em uma mesa. Pagamos e mandamos algumas bebidas para a mesa delas e em seguida chegamos e nos convidamos para sentar. Mais tarde eu e a Luciana dançamos "Lambada," minha especialidade... A Luciana nao era uma desconhecida para mim. Anos atrás eu havia jogado vôlei com seu irmão, e por muitas vezes a vi no TCC, mas nunca tive coragem de me aproximar.

No dia seguinte fomos no cinema e logo depois estávamos namorando. 

A Luciana passou a ocupar todos os momentos da minha vida. Tinhamos muitas coisas em comum. Corinthianos e apaixonados por esportes, passavamos todo tempo disponivel juntos. A única diferença era que a Luciana cresceu em uma família rica e eu não. Isto não era um problema para nos, mas sim para sua mãe. 

O relacionamento mudou quando uma gravidez inesperada aconteceu. Eu imediatamente quis fazer o papel de HOMEM, o que alguns dos meus amigos não tiveram a honra de fazer quando se encontraram naquela situação. Depois de conversar com meus pais sobre o acontecido, fui conversar com a mãe da Luciana. 

Eu havia tomado a decisão de que iria me casar com a Luciana. Nos amávamos e decidimos que queríamos ficar juntos e construir uma família. Eu estava pronto para me casar e assumir todas as responsabilidades e com esta atitude, contamos os fatos a sua
mãe, que rejeitou dar qualquer apoio e ofereceu-nos a opção de um aborto.

Ate hoje me lembro de sua recomendação: "-Vcs deveriam considerar um aborto. Eu mesma fiz anos atrás. Neste momento ainda não e' uma criança, e' apenas como uma gema de ovo - e vcs podem comecar a vida de vcs, juntos, sem a pressão de ter um filho."

Eu não acreditei no que tinha acabado de ouvir! Imediatamente recusei. 

Algumas semanas depois, a Lu me informou que havia ocorrido um aborto natural. Me lembro que estava na Ford quando recebi a noticia. Sai da fabrica chorando muito. Fui pra casa e meus pais me consolaram. Naquela noite, fui ver a Lu. Nos abraçamos e choramos.  

A historia nunca me convenceu. Alias, tenho fontes seguras de dentro do hospital Santa Isabel, que nos informaram que o aborto foi provocado e teve a cobertura da entao diretora do hospital, Marilda Prado - que era amiga da familia. 

Talvez nunca saiba com certeza o que aconteceu naquele dia. O que sei e' que doeu muito e dói ate o dia de hoje. 

Lu e eu seguimos juntos, mas faltava algo. Faltava nosso filho. Eu deixei de confiar nela a partir daquele momento. Aquele vazio emocional de antes, tornou-se em abismo. O relacionamento com a Luciana começou a sofrer. Creio que houve um grande esforco de parte de sua mãe para que o relacionamento terminasse. Tenho orgulho de dizer que nunca trai a Luciana apesar de que no final de tudo, ela escolheu me deixar. Não creio que terminamos oficialmente. Ela simplesmente começou a sair com outro cara.

Tudo isto pesou na minha decisão de sair do Brasil. O problema não eram os dois relacionamentos intensos que eu havia vivido. O problema era que faltava um fator estabilizante na minha vida. Faltava Deus.

No ano seguinte alguns amigos seguraram minha barra enquanto eu me preparava para sair do Brasil. Mesmo sem saber o que acontecia no meu coração, estes são amigos aos quais jamais me esquecerei: Jé, Paulinho, Cesinha, Betinho Cociello, Wesley, Obesinas, Abimael, Marcelo Ayello e Carlos Giordano. Débora Santos, Simone Oliveira, Patricia e Lucimara.     
     
Este era o contexto da minha vida em 1992, quando eu deixei tudo para trás, família, amigos, 20 anos vividos em Taubaté, em busca de algo que preenchesse o abismo que havia na minha alma. Os primeiros 3 meses foram os mais difíceis. Por várias vezes estive ao ponto de abandonar o sonho e voltar para a casa. Mas ao refletir sobre tudo o que eu tive que enfrentar para chegar aonde eu cheguei, os milagres que aconteceram (situações completamente fora do meu controle), eu comecei a acreditar que havia um propósito muito mais alto, do que os meus próprios, para eu estar onde estava.  Graças a Deus que eu continuei firme no meu objetivo, pois com certeza minha vida seria completamente diferente hoje. E a vida que eu tenho hoje, eu não trocaria por nada! Por isso: NUNCA DESISTA DOS SEUS SONHOS!


 

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Histórias da Revolução no Cairo: Mulheres que fazem a diferença.

Nesta semana eu recebi um email de uma amiga que esteve presente nas manifestações que levaram à queda do regime do Presidente Hosni Mubarak, no Egito. Neste email ela relata brevemente sobre o preço pago pelo povo egípcio para conquistar esta vitória histórica, mas também como estes dezoito dias afetaram sua própria vida e de sua família.

Anos atrás quando conheci R, ela ainda era uma jovem universitária, na cidade do Cairo. Hoje, R é casada com A (quem ainda não tive o prazer de conhecer) e é mãe de uma linda menina, M. 



Estou postando esta história porque estes relatos me comoveram. Esta talvez seja a história de muitas outras valentes mulheres Egípcias:  (O email que ela me enviou foi traduzido com permissão).

"Caro Adri, 
Muito obrigado pelo cuidado conosco durante as semanas de revolução aqui no Egito. Eu queria te escrever, mas eu meu tempo estava muito limitado, até mesmo para estar com minha filha durante os eventos.  

Estive presente nos protestos desde o início e presenciei toda a brutalidade das forças policiais naqueles primeiros dias, o que fez o povo egípcio tornar-se ainda mais determinado e persistente em levar a revolução até o fim. Você não pode imaginar como foi tudo isso... A policia respondeu ao nosso movimento pacífico, jogando contra nós bombas de gás lacrimogêneo, mangueiras de jato d'água e balas de borracha - atacando sobretudo a linha de frente. Nossa resposta foi cantar todos juntos "Selmiya Selmiya (PAZ! PAZ!).

Praça Tahrir, Cairo - Egito.
Houve um momento em que conseguimos negociar com os soldados da polícia (nos escalões inferiores), para que fossem mais misericordiosos conosco. Nossa proposta foi aceita, pois haviam mulheres, crianças e idosos entre os manifestantes. A multidão aplaudiu os soldados. Mas essa trégua durou pouco tempo, pois logo em seguida a força policial recebeu ordens para nos atacar com brutalidade, utilizando atiradores de elite, que de cima dos prédios atiravam e matavam os manifestantes atingindo a vários deles com tiros na cabeça e no peito.  
 
Enquanto isso acontecia lá na frente, eu ficava na retaguarda das manifestações. Que Deus abençõe as almas de todos os mártires e cure as feridas das famílias que perderam seus entes queridos. Com certeza os que derramaram suas vidas por nossa liberdade encontrarão seus lugares no céu.

Claro que eu temia por minha própria vida todos os dias quando saía de casa para apoiar as manifestações. Mas eu colocava esses sentimentos diante de Deus e pedia a Ele, no meu coração, para que Sua vontade fosse feita. Apesar do meu desejo de voltar para a minha filha e meu marido em segurança, eu sabia que mesmo se eu morresse, Deus guardaria a minha família com seus olhos misericordiosos. 

Ainda não consigo entender a bravura daqueles que se colocaram nas linhas de frente. Eles confrontaram as balas do regime sem nenhuma proteção, com seus peitos desprotegidos mas cheios de coragem. Deus abençoe a todos!

Meu marido, participou das unidades de proteção civil, guardando nossas casas de ataques de assaltantes e bandidos. Durante as noites, ouvíamos os tiros nas ruas. Minha filha chorava porque tinha medo e queria que seu pai estivesse conosco em casa. Para acalmá-la eu cantava com ela e lia o Alcorão até que ela dormisse. Acredito que agora as pessoas se sentem mais seguras e livres pela primeira vez em muitos anos.   

R, A e sua filha M.
O sentimento agora é de vitória ao olhar para trás e ver o que alcançamos por causa da nossa persistência e perseverança, mas durante os 18 dias da revolução, houveram muitos momentos de dúvida, especialmente quando a mídia começou a circular rumores de que o movimento estava se enfraquecendo. Mas o povo perseverou e graças à má gestão do governo, as manifestações tomaram outro impulso e uma injeção de ânimo que nos levou até o final. Agora, temos esperanças de um novo futuro, pois acreditamos no potencial deste belo país e de seu povo.

Creio que escrevi muito e talvez até te dado uma dor de cabeça. Obrigada querido amigo pelo seu apoio, cuidado e preocupação. Eu realmente espero vê-lo em breve, mas desta vez queremos recebê-lo em um país "democrático" - quem sabe em uma República Democrática do Egito :)

Por favor, envie uma saudação carinhosa a sua esposa e filhos. Saudade de
você, meu amigo!"

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

EGITO: Confusão e Caos na Praça da Liberdade

Quero abrir um parêntesis aqui para escrever um pouco sobre o que esta acontecendo no Egito nas últimas duas semanas. Em seguida continuaremos dando sequência ao tema que abriu a “Coluna do Adriano.”

Tenho laços muito fortes com o país e o povo egípcio. Durante os anos que passei na Espanha, conheci vários egípcios. Confesso que minha admiração inicial era pelo fato de estar diante de pessoas oriundas da terra das pirâmides, dos faraós, das histórias Bíblicas do livro de Êxodo, Moisés, Mar Vermelho, etc. Mas logo percebi que amar o povo egípcio é muito fácil para nós brasileiros, pois nossas culturas são um interessante paradoxo com muitas semelhanças na maneira como nos relacionamos e amamos as pessoas, como amamos viver a vida, fazer festa, etc. Mas ao mesmo tempo, nossas diferenças culturais em termos de língua, religião e outros costumes são imensas.
Mas foi em 1997 que nasceu o meu amor pelo Egito. Naquele ano fiz as minhas malas e embarquei para o Egito com o propósito de lá ficar durante aquele ano, aprendendo sobre a cultura, a língua, e os costumes do povo árabe (eu regressaria ao Egito várias vezes nos anos seguintes, dando continuidade ao trabalho lá iniciado naquele ano - mais sobre o meu tempo no Egito em posts futuros).
Durante aquele ano, eu trabalhei com várias comunidades, principalmente no Cairo e na Alexandria. Edifiquei amizades com muçulmanos e cristãos, amizades que certamente durarão para sempre. Por isso, tenho acompanhado atentamente tudo que tem acontecido no Egito e sofrido com suas aflições.
Este movimento espontâneo liderado em sua grande maioria, pela juventude egípcia, nasceu nas redes sociais (Facebook e Twitter) e resultou no que se tem visto nos últimos 15 dias, principalmente na cidade do Cairo. Milhares de Egípcios se reúnem diariamente em protesto pelas condições sociais, econômicas e políticas do país.
De acordo com um email que eu recebi de uma amiga no Cairo, “...os protestos começaram de maneira civilizada e segura em varias cidades no Egito com reivindicações por melhores condições de vida, segurança, trabalho e educação. Mas logo a policia começou a atacar violentamente, a internet e os telefones celulares foram bloqueados. Pessoas começaram a morrer nas ruas. De repente a policia desapareceu e o caos tomou conta das ruas com a fuga de 17.000 presidiários soltos nas ruas do Cairo.”

El Tahrir (Praca da Liberdade), onde milhares de pessoas tem se reunido para
protestar contra o governo do presidente Hosni Mubarak

Eu fiquei aqui pensando: - Como seria ter que proteger minha família pelas minhas próprias forças - por falta de opção? Um outro amigo relatou sua própria experiência: “ – Não durmo há 9 dias, pois temos que montar guarda na rua dia e noite. Já são oito o numero de marginais que impedimos de entrar na nossa rua. Temos que estar vigilantes porque os fugitivos têm atacado pessoas nas ruas e invadido casas para roubar e estuprar. A comida acabou em casa e esta difícil de encontrar para comprar na rua. Tudo o que podemos fazer é orar!”

Outra preocupação expressada em um dos emails que recebi é quanto ao futuro político do país. O desejo da sociedade egípcia é por um país secular, onde haja liberdade para se escolher seus governantes e liberdade religiosa. Mas já se cogita que radicais muçulmanos se preparam para aproveitar a oportunidade e transformar o Egito em algo parecido ao Irã.

Mas no meio de todo este caos, o povo egípcio tem se abraçado. Num país onde a segregação social, baseada na religião, é intensa, Muçulmanos e Cristãos têm se unido e se ajudado mutuamente. Outro amigo relata como as pessoas de sua Igreja têm se mobilizado para compartilhar uma mensagem de esperança com seus vizinhos muçulmanos – os quais antes eram meros desconhecidos. Ele também conta como as pessoas têm se disponibilizado para organizar o tráfego nas ruas, prestar primeiro socorros, etc.
No vídeo abaixo, uma cena inimaginável anos atrás. Moheb e meu amigo Maged - o mesmo que aparece comigo na foto acima), na famosa praça Tahrir, onde milhares de pessoas se reuniram no dia 4 de Fevereiro para o "Million Men March." Naquele dia, pobres e ricos, jovens e idosos, Cristãos e Muçulmanos cantaram juntos: “Que a paz e o governo de Cristo seja estabelecido aqui. Que Ele venha liberar os fracos e ouvir o clamor do Seu povo. Bendito seja o Egito, meu povo.”


Paz e reconciliação entre Muçulmanos e Cristãos egípcios.
Desde 2010, a Igreja no Egito vinha se preparando para um "grande acontecimento" - eles somente não sabiam de que se tratava. Um amigo me contou que no final do ano passado, 1200 Cristãos de sua Igreja fizeram um jejum de 40 dias por seu país.

Ninguém sabe prever como ou quando tudo isto vai acabar, ou o que vai resultar de tudo isto, mas uma coisa é certa: o Egito jamais será o mesmo. O que vemos na TV e na internet é um povo apaixonado por suas famílias e por seu país. Um povo orgulhoso por sua cultura milenar, despertando após décadas de um longo pesadelo para reivindicar dias melhores e o direito de eleger seu governantes.